sábado, 22 de outubro de 2011

ode a meia Pizza

Coça a barba e num sorriso tímido,
fala-me do almoço,
malogrado e tardio.
Meia pizza, das congeladas…
Esquecida por tempo indeterminado,
Às voltas no micro-ondas …

Perdida? Pergunto,
não contendo um brilho nos olhos.
Nem por isso, apenas “Ressequida”
Uma tosta redonda…
Sem tomate suculento,
Ou mistura de queijos a desfiar pela orla…
desalento!

“Que queres, sou homem…”

Suspiro!
E embora o aspecto não seja divino,
Quero provar!
“Tens a certeza?” Pergunta, na dúvida…
Só um bocadinho…
E corta a metade que sobrou, tensa sobre a faca,
E da metade da metade,
corta um canto mais pequeno…

Que provo e… adoro!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

o domador alado

Consoante o tempo que dedicava a uma amizade, isso manifestava-se na dificuldade em escolher uma prenda para oferecer. Procurei lembrar o que tinha comprado no ano anterior, senti necessidade de começar a tomar notas, fazer uma agenda com as datas e completar com os respectivos presentes, adicionando lembretes fundamentais, como por exemplo não oferecer brincos à Elvira… só reparei que nem sequer tinha as orelhas furadas quando ela ficou com um sorriso amarelo, mirando com estranheza para os pendentes com contas indianas que lhe comprei pelo Natal.

Deambulei meia perdida pelas estantes repletas de livros, a quantidade de sugestões e edições era assombrosa, cada vez que lia a contracapa de um título sugestivo, ainda ficava mais indecisa. E senti-o, silencioso mas presente, asas albas que sussurravam em uníssono: Tânatos…
-Trabalhas aqui? Perguntei, sem o encarar, mantendo os olhos na primeira contracapa que me apareceu pela frente.
-Sim… em que posso ajudar? Disse numa voz tranquila mas repleta de descrença, ocultando a pergunta que lhe ocupava a mente.
-Precisava de ajuda na escolha de um livro… um presente de aniversário. E olhei-o directamente nos olhos doces… terrivelmente doces. Fraquejei e ele sentiu, desviando a doçura para os livros nas estantes.
-Preferência por autor? Disse caminhando à minha frente… prendendo a minha atenção nas suas asas brancas, comuns mas invulgares, que se encolhiam na minha presença…
-Pergunta o que quiseres sobre mim…
Ele sorriu e percorreu duas estantes com a ponta dos dedos sobre as saliências das capas. Parecia um domador de lombadas, pronunciando palavras mágicas inaudíveis para os meus ouvidos, travando uma secreta conversação com os títulos. Voltou com um livro na mão e libertou a pergunta que mantinha aprisionada, não sei se por timidez ou polidez...
-Asas de Tânatos… És a morte?
-Não, sou apenas uma mensageira…
-Nunca vi umas asas como as tuas…
-Não há muitas por ai.

Ficamos especados, medindo o comprimento das palavras, escutando o que as asas nos diziam, e o que recitavam ou declamavam umas às outras, até sermos interrompidos por um ser desasado. Num tom estridente e ausente de delicadeza, reclamou a atenção dos olhos de mel. Ele muito cordial pediu um minuto à senhora vermelha de raiva, retomando o olhar na minha direcção. Sorte a dela não ser a mim direccionada aquela raiva, apetecia-me sentir o frio do gatilho e ter a sua cabeça redonda e vermelha na mira da minha arma…
-Recomendo este… se não gostar pode sempre trocar… no entanto deixo o aviso, os livros assim como as pessoas, não gostam de ser devolvidos às estantes, ficam ressentidos…
Sorri, tinha um jeito peculiar de falar que enfeitiçava tanto os livros como quem os lia. Agradeci a prestável ajuda e sai sem olhar para trás, sentindo os seus olhos ainda presos nas minhas asas.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Enchanté

Voltei a Paris no fim de Setembro, desta vez sozinha e em trabalho. Apesar dos motivos que me faziam regressar à Cidade Luz serem muito diferentes, senti a mesma emoção, a mesma paixão arrebatadora, completamente rendida aos encantos da cidade. Entre o aeroporto e o hotel mil e um pormenores cativavam a minha atenção, fiz um esforço para controlar o ímpeto de saltar do táxi e ir conhecer ruas e ruelas pelas quais nunca tinha caminhado, cafés, restaurantes e bares que não provara, lojas, feiras, museus, monumentos que não tinha visitado… Uma semana em Paris e pouco vimos para além dos locais mais turísticos, a torre Eiffel, o Arco do Triunfo, Notre Dame e o Louvre num constante tornado puxada pela mão dele, passando a maior parte do tempo no quarto do hotel a explorar o corpo um do outro, de todas as formas possíveis e imagináveis. E que corpo… sentia um calor crescente nascer no meio das coxas, tomando conta de mim cada vez que recordava aqueles momentos de volúpia, vivendo dias sem saber se eram noites.

-Une Bourgogne Pinot noir s'il vous plaît.
-Bouchard Aine, mademoiselle?
-Oui, parfait! Disse ao empregado de ar insolente, na esplanada do La Tartine, pedindo para além do vinho, um pão delicioso e uma tábua de queijos divinal. Marais é um bairro encantador de ruas estreitas, repleto de cor, magia, brilho… o sol mesmo tímido dava um ar místico a todos os recantos, e eu abandonava-me de perna cruzada numa cadeira em palhinha, cansada do passeio de domingo, fechava os olhos por detrás dos óculos escuros, deixando que os sons e os odores da cidade me preenchessem, sentia-me muito feliz por ali estar. Tudo em Paris parece harmonioso, conjugado na perfeita medida, charme, arte e cultura.

O telemóvel tocou-me na pouca vontade de o atender, um número anónimo lembrava-me as razões para ali estar. Não me apetecia, não tinha vontade de saber. Só queria voltar as costas, abandonar toda a vida até aí vivida e recomeçar, partir do zero, apaixonar-me... entregar-me intensamente! Atendi desanimada perante a falta de coragem para enfrentar o meu destino, como se fosse um touro ensanguentado na arena a que recuso olhar, do outro lado uma voz familiar meiga e doce fez-me sorrir e dizer alto.
-Oh quantas saudades! Que é feito de ti miúda?

Desliguei com um sorriso nos lábios, olhando incrédula para o visor. E ele aproximou-se, senti a sombra pairar sobre mim, o perfume de homem penetrou-me os sentidos sem eu me aperceber.
-Posso? perguntou puxando a cadeira ao lado da minha. Nem respondi e ele sentou-se, justificando que tinha ouvido a conversa, e que já não conseguia ter paciência para os franceses, que eu o tinha de ajudar a ver-se livre do colega que se aproximava acenando alegremente com o jornal debaixo do braço…
-Tem preferência pela forma de extermínio? Perguntei séria e profissional, tirando um cigarro do maço que o Don Juan me estendia.
-Só o consigo imaginar degolado… O homem fala pelos cotovelos, até tem aberturas no casaco!
-Degolado nos dias de hoje é pouco comum, vou ver o que se consegue arranjar.
O tal colega barrigudo e de sorriso permanente no rosto preparava-se para ocupar a terceira das quatro cadeiras da mesa, quando o senhor perfumado de cigarro pousado no canto do lábio se levantou e me apresentou.
-Laissez-moi vous présenter à …. Marta, ami de longue date ... vient d'arriver à Paris et j'ai promis de l'emmener pour un tour …
- Je m´appelle Judite!
-Pardonne-moi… Judite! Corou o individuo perfumado.
-Enchanté mademoiselle! Disse o senhor barrigudo mas cordial, apertando-me a mão gentilmente.

Deixei-me arrastar pelo ar certo dele, toda a composição lhe assentava como uma luva, desde a camisa em linho descontraída casada com umas calças claras, o cabelo denso e escuro salpicado em prata, o olhar indeciso entre um azul e cinzento. Olhei para trás para o senhor desolado entregue ao jornal, e o empregado quase feliz com a gorjeta que o cavalheiro galante lhe deixara juntamente com o pagamento da minha despesa, enquanto nos dirigíamos para Place des Vosges.
-Juan Belmonte ao seu dispor! Apresentou-se fazendo uma vénia teatral.
-Como o toureiro que lia livros?
-Prefiro as leituras às lides…! Disse com um sorriso modesto nos lábios. – Janta comigo, é o mínimo que posso fazer por me teres salvo da companhia do belga.
-Não te conheço de lado nenhum, Juan Belmonte!
-Mas não é isso que eu sinto… e não é isso que tu sentes…pois não? O homem nunca se deve por em posição de perder o que não se pode dar ao luxo de perder.
-Hemingway…
-Sinto que te conheço… sei que te conheço… aliás… E fez uma pausa absorvendo do ar uma porção invisível de eloquência. - Sei tudo o que há para saber sobre ti!
Um calafrio percorreu-me a espinha e procurei controlar os sentidos enrolando no pescoço o lenço indiano em tons quentes. Mas não era o calor da seda que eu sentia, mas dos seus dedos, puxando-me a boca na direcção da dele. Savolium, como os romanos denominavam o beijo profundo.

O primeiro de todos os beijos sacudiu-me leve pelo éter como se fosse uma pena, privando-me da segurança do chão. O segundo de todos os outros estremeceu a terra fazendo com que as estrelas perdessem o seu lugar, e no terceiro senti-me explodir de prazer, inundado o meu sexo desejei morrer naquele instante. Chamou um táxi. As mãos exploravam o que os olhos não viam, deixando-se guiar como amantes cegos ávidos de prazer. Paris passava iluminada ao anoitecer pelas janelas do automóvel, mas que interessava agora...