quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
a última caçada II
A menos de um mês do Natal, la Città Eterna conseguia ser ainda mais bela e sedutora, com as suas longas avenidas, praças, recantos, becos completamente iluminados. A Via del Corso destacava-se das demais por possuir um manto de luzes que ganhavam a forma de uma imensa bandeira, oscilando as cores de Itália.
Um outro carro esperava por mim no aeroporto, Guido deixara mais um envelope e instruções ao motorista, desculpando-se por não me acompanhar no almoço, prometendo compensar-me mais tarde durante o jantar. O envelope. Só nesse momento ponderei a possibilidade de haver uma relação entre o pedido de Guido e o envelope branco normalizado, que dois dias antes tinha chegado à caixa do correio, com o meu nome e direcção cuidadosamente desenhada a tinta permanente, sem remetente, mais estranho ainda, sem conteúdo. Na altura não tinha dado grande relevância, pensei que se tratava de alguma brincadeira, nem sequer prestei atenção ao selo italiano de sessenta cêntimos, com a reprodução do quadro “Madonna com Bambino e melagrana” do século XVI, autor desconhecido. Nossa Senhora com o Menino, este segura uma romã, o fruto que na bíblia representa a rectidão ou honradez. Em contrapartida também é um fruto que sempre esteve associado às paixões e à fecundidade na antiga Grécia.
Juntava peças de um intrincado puzzle, o mercedes voava a grande velocidade e dava por mim a relacionar o remetente do estranho envelope, com a urgência do italiano, e agora a imagem de Nossa Senhora, o símbolo da fecundidade e o pesadelo que me arrancara dos braços quentes do sono nessa madrugada, mau agouro. O sonho continuava a bailar na minha cabeça, tentava recordar as peças de vestuário, os rostos esquecidos, o corredor, a minha figura, descalça, a empurrar o vazio… sentia um arrepio na espinha! O meu sexto sentido dizia-me para manter a cautela, ele, ao contrário da maioria dos homens, nunca me enganara.
O carro estacou no coração pitoresco do quartiere di Campo de' Fiori, mesmo em frente ao hotel que foi em tempos um palácio barroco. A fachada coberta por auspiciosas heras, antecipavam um interior rico, charmoso, acolhedor pelas madeiras maciças do mobiliário, pisos antigos de tijoleira e mármore italiano, onde repousavam tapeçarias bem escolhidas, combinadas com os estofos das poltronas. As paredes forradas a papel, tons quentes nas áreas mais abertas, frios para locais de repouso, estavam cobertas por quadros da época, tudo minuciosamente inserido na restante decoração. No entanto, la pièce de résistance era o pátio no topo do edifício, salpicado de cadeiras em vime, grandes fetos em vasos, um gigantesco guarda-sol, e polvilhado de potentes aquecedores a gás, que tornavam a permanência mais agradável, podendo usufruir da fabulosa vista de Roma em qualquer altura do ano.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário