quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

a última caçada

Não me apercebi de imediato que se tratava de um sonho, atravessava um extenso corredor hospitalar empurrando um pequeno berço vazio, do mesmo modo como se passeia em total alheamento pelos corredores saturados de produtos de um hipermercado. Parecia tudo real, até que pacientes usando camisas de noite com motivos florais, e enfermeiras com trajes antigos, insistiram em me oferecer casaquinhos tricotados a azul, babygros de malha branca, um par de minúsculos carapins, também eles azuis. Eu recusava, agradecia e afastava-me. Perante a insistência de uma mulher mais velha, gritei que era engano, que não estava ali para ter um bebé. Mas elas não pareciam entender e eu olhava para o meu ventre, coberto por uma triste camisa de dormir, e desolada na minha figura, constatava com algum desgosto que não estava de esperanças.

Acordei, sem acender o candeeiro procurei o telemóvel na espectativa que ainda fosse cedo, lá fora estava escuro, e não havia sinal da madrugada dos melros. Quatro e cinco. Voltei-me satisfeita, tentando não sair da zona quente do lençol. Estava frio, puxei o edredão de penas para debaixo do queixo, e pedi a Morfeu que me cobrisse rapidamente com o seu manto de sono. Nem cinco minutos tinham passado, o telemóvel tocava.
-desculpa ligar-te tão tarde… parece que não te acordei.
-dez minutos mais cedo, e estaria muito agradecida…
-estás sozinha?

Do outro lado da ligação, Guido falava pausadamente numa salsada de português com italiano, usando pelo meio uma ou outra expressão em castelhano. Tomei um banho, vesti as calças beges, uma t-shirt por baixo da camisa de ganga, um casaco de malha fino por cima. À mala só acrescentei um gorro e umas luvas, o livro da mesinha de cabeceira e uma muda de roupa interior. Enrolei um lenço à volta do pescoço, botas quentes e confortáveis, apertei o sobretudo marinho até às orelhas e sai.
Tal como Guido havia explicado, o motorista esperava-me junto ao prédio, no interior de um BMW preto. No assento de trás, um envelope kraft continha os cartões de embarque com o meu nome. Atravessamos a cidade ainda adormecida a caminho do aeroporto, olhando no vazio da iluminação amarela, tentava recapitular toda a conversa que havia tido com o italiano, as indicações eram precisas, levar o mínimo comigo, chegar o mais rápido possível, Roma era o destino.

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