terça-feira, 3 de janeiro de 2012

as passas do sr. Parabellum

-Esta é que é a famosa C96 “rot neun”? Perguntei, apontando para o estranho coldre em madeira por detrás do espesso vidro.
-A menina Elisabeth é uma connaisseur! Segurou o cachimbo ao canto da boca, do bolso chocalhou um molho de chaves e entre as mais pequenas escolheu a que tinha uma marca vermelha, fazendo-a rodar na fechadura da vitrina. Com extremo cuidado, abriu a caixa em madeira, singular pela dupla funcionalidade de coldre e coronha e fez deslizar do seu interior a Mauser C96.
- Nove vermelho! Exclamei com um brilho nos olhos.
- A versão adaptada ao calibre 9 mm Parabellum… gravavam este grande nove no punho para não ser confundida com a versão anterior de calibre 7,63 mm, mas isso a menina Elisabeth já deve saber…

“Menina Elisabeth”… é assim que continua carinhosamente a tratar-me. A diferença de idades não é suficiente para o ver como um progenitor, nem ele o permite, mantendo constantes os elogios e de vez em quando um toque ou outro mais íntimo, mas encontrei nele um tutor, alguém que admiro imenso, que me protege, me aconselha.
É curioso que as circunstâncias em que nos conhecemos não foram as mais simpáticas, precisamente há nove anos, e recordo-me de todos os pormenores como se acabasse de ter acontecido.

- Para alguém tão jovem é admirável o conhecimento que tem sobre armas. Menina Elisabeth, diga-me por favor com toda a sinceridade, o que a trás por cá?
Olhei-o nos olhos, admirando com atenção o centro da íris convertida num abismo negro, puxei a culatra da Luger, um projéctil entrou na câmara.
-Conhece a expressão “Si vis Pacem, Para Bellum”?
-Já me falaram de si, devo dizer que admiro o seu trabalho, sou um fã… mas não posso deixar de lhe perguntar duas coisas, menina Elisabeth… primeiro quem é que tem tal apreço por mim ao ponto de contratar os seus serviços, e segundo, qual a minha cotação no mercado?
-Por motivo alheios à minha vontade, o cliente reserva o direito ao anonimato…
-Estou a incomodar alguém com muito poder, mas não se acredite em tudo o que lhe dizem menina Elisabeth… de boas intenções está o inferno cheio!
- Acho que ainda deve haver espaço para mais um traficante de armas…
-Não digo que não seria dignificante morrer às suas mãos, mas menina Elisabeth já pensou na aliança vantajosa que poderíamos ter? Na sua profissão precisa de alguém com os meus conhecimentos, os meus contactos e acima de tudo com a minha discrição e sensatez… eu prometo ser justo se me deixar viver… diga-me, qual é o preço da minha cabeça?
-O valor em causa pode ser renegociado… Sorri, mantendo-o na mira.
-O seu sorriso diz-me que temos negócio menina Elisabeth… apertar-lhe a mão seria ridículo da minha parte… e acima de tudo, um desperdício de oportunidade, se me permite a ousadia… podemos selar o nosso contrato com um beijo? Perguntou, pousando o cachimbo Lovat no rebordo do cinzeiro, aproximando a boca na direcção da minha.
Admirei a coragem, o atrevimento… e acedi cerrando os olhos, deixando-me beijar ternamente, sentindo primeiro o aroma doce e depois um leve travo a baunilha, e por fim o sabor forte do tabaco.
-Baptizada originalmente de Parabellum, foi comercializada nos Estados Unidos com o nome do seu criador, George Luger. Dois milhões de unidades foram fabricadas entre 1914 e 1918.
-É a minha preferida!
-É sua, menina Elisabeth, um presente de Natal com seis meses de adianto!

Ontem ligou-me, anunciando que a minha encomenda tinha chegado, anexando um convite para jantar. Ele cozinhava, eu não recusava. Apareci à sua porta dentro da hora, recebeu-me com um syrah reserva, enquanto terminava os últimos preparativos.
-Menina Elisabeth, saiba que gastei uma das 12 passas consigo! Anunciou glorioso.
-Oh tão querido! Disse-lhe, afagando o queixo onde a barba macia tinha sido aparada ou nem sequer desfeita de ontem para hoje.
-Sabes que te quero bem…
-Debaixo de ti…
-Também!

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