O início de tarde ameno prometia, sentada numa das esplanadas na via Del Governo Vecchio, esperava com um crescendo de saliva na boca pela minha pizza de funghi.
Consegui despistar perto da Fontana de Trevi, o individuo de maxilares
salientes e sobretudo barato, que me perseguia desde o hotel. Passava os
dedos pelo cabelo enquanto olhava as várias montras espelhadas de
comércio ao longo das ruas estreitas, eram perfeitas para o efeito, dava
sempre a impressão que me preocupava com a minha aparência, mais do que
me preocupava com o que se passava à minha volta.
Esticou o lenço ao longo do braço, com a cabeça fiz sinal que
não estava interessada, ele continuava, perguntava se eu não gostava,
respondi que sim mas que não queria, dar-lhe conversa era um erro, se
nos limitássemos a dizer não ou a desviar o olhar, eles desistiam… “bellissima”,
dizia num italiano com forte pronuncia, e por ser belíssima fazia-me um
desconto. Conversa não lhe faltava, aproveitei e ofereci-lhe 20 euros
pelo telemóvel, regateou como seria de esperar, queria uma fortuna,
disse que só tinha 40, não poderia dar mais. Aceitou, e ainda me
ofereceu uma echarpe verde. No meio da confusão habitual de turistas na
fatídica epopeia de lançarem as suas moedas à fonte, e a versatilidade
dos vendedores senegaleses e bangladeshianos que agitavam os seus
produtos contrafeitos atrás dos turistas, o meu perseguidor perdeu-me o
rasto.
-a minha linha deixou de ser segura.
-diga-me coisas menina Elisabeth.
-preciso de um calibre .32 ACP, com urgência… e coldre de perna.
-ui, não me faças isso, sabes como fico excitado de te imaginar em
lingerie preta nessa tua pele clara, e depois esse coldre apertadinho na
tua voluptuosa coxa…
- que parte da urgência não foi "clara" para ti? tens duas horas, em
Roma… de preferência um sítio onde eu possa levantar sem dar nas
vistas, uma loja… algo assim, estou a ser seguida.
-primeiro deixas-me com um tesão… e depois preocupado.
-toma valeriana que isso passa.
-vou ver o que consigo arranjar, duas horas não é muito…
Assim que a pizza chegou ainda a fumegar, Guido ligou,
automaticamente disse-lhe onde estava. Apesar do homem de maxilar
quadrado parecer um “polizia” à paisana, queria confirmar se era a mando
do italiano que ele me seguia. Comprovo o meu receio, nem dez minutos
depois, um fulano de sobretudo e óculos de sol, quase um clone do outro,
surge ao fundo da rua.
Volta a pedir desculpas pela ausência, diz que está cheio de
trabalho, surgiram uns imprevistos. Questiono se tenho de “beijar”
alguém, um ligeiro tremor toma-lhe a voz, diz que tem esperanças que não
seja necessário… continua misterioso, muda de assunto rapidamente, diz
para eu aproveitar e descansar, que me leva a passear amanhã. Termina a
conversa com um “espero que gostes do que te enviei, está tudo tratado,
não precisas de te preocupar com nada, apenas que estejas deslumbrante e
bela como sempre logo à noite.” Agradeço, tanto o elogio como o
presente. Rezo para que o vestido não seja demasiado justo…
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