segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

a última caçada III

O início de tarde ameno prometia, sentada numa das esplanadas na via Del Governo Vecchio, esperava com um crescendo de saliva na boca pela minha pizza de funghi. Consegui despistar perto da Fontana de Trevi, o individuo de maxilares salientes e sobretudo barato, que me perseguia desde o hotel. Passava os dedos pelo cabelo enquanto olhava as várias montras espelhadas de comércio ao longo das ruas estreitas, eram perfeitas para o efeito, dava sempre a impressão que me preocupava com a minha aparência, mais do que me preocupava com o que se passava à minha volta.

Esticou o lenço ao longo do braço, com a cabeça fiz sinal que não estava interessada, ele continuava, perguntava se eu não gostava, respondi que sim mas que não queria, dar-lhe conversa era um erro, se nos limitássemos a dizer não ou a desviar o olhar, eles desistiam… “bellissima”, dizia num italiano com forte pronuncia, e por ser belíssima fazia-me um desconto. Conversa não lhe faltava, aproveitei e ofereci-lhe 20 euros pelo telemóvel, regateou como seria de esperar, queria uma fortuna, disse que só tinha 40, não poderia dar mais. Aceitou, e ainda me ofereceu uma echarpe verde. No meio da confusão habitual de turistas na fatídica epopeia de lançarem as suas moedas à fonte, e a versatilidade dos vendedores senegaleses e bangladeshianos que agitavam os seus produtos contrafeitos atrás dos turistas, o meu perseguidor perdeu-me o rasto.

-a minha linha deixou de ser segura.
-diga-me coisas menina Elisabeth.
-preciso de um calibre .32 ACP, com urgência… e coldre de perna.
-ui, não me faças isso, sabes como fico excitado de te imaginar em lingerie preta nessa tua pele clara, e depois esse coldre apertadinho na tua voluptuosa coxa…
- que parte da urgência não foi "clara" para ti? tens duas horas, em Roma… de preferência um sítio onde eu possa levantar sem dar nas vistas, uma loja… algo assim, estou a ser seguida.
-primeiro deixas-me com um tesão… e depois preocupado.
-toma valeriana que isso passa.
-vou ver o que consigo arranjar, duas horas não é muito…

Assim que a pizza chegou ainda a fumegar, Guido ligou, automaticamente disse-lhe onde estava. Apesar do homem de maxilar quadrado parecer um “polizia” à paisana, queria confirmar se era a mando do italiano que ele me seguia. Comprovo o meu receio, nem dez minutos depois, um fulano de sobretudo e óculos de sol, quase um clone do outro, surge ao fundo da rua.
Volta a pedir desculpas pela ausência, diz que está cheio de trabalho, surgiram uns imprevistos. Questiono se tenho de “beijar” alguém, um ligeiro tremor toma-lhe a voz, diz que tem esperanças que não seja necessário… continua misterioso, muda de assunto rapidamente, diz para eu aproveitar e descansar, que me leva a passear amanhã. Termina a conversa com um “espero que gostes do que te enviei, está tudo tratado, não precisas de te preocupar com nada, apenas que estejas deslumbrante e bela como sempre logo à noite.” Agradeço, tanto o elogio como o presente. Rezo para que o vestido não seja demasiado justo…

Sem comentários:

Enviar um comentário