quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

lugares desmarcados - segundo round

primeiro round em http://apaixonadassassina.blogspot.com/2011/09/lugares-desmarcados.html

O pé-direito elevado em colunas espaçadas, aberta uma das paredes em janelas, conferia à sala uma dimensão ilusória. Moderadamente iluminada, o tecto em tabuado escuro suavizava o ambiente tornando-o harmonioso, distante na medida certa do formal a que a ocasião impunha, experimentando quase um arrebol romântico.

Os focos acenderam um pequeno palco negro não merecedor de reparo, a poucos metros da nossa mesa. Os músicos abraçaram um círculo imaginário, encarnando os instrumentos com movimentos certos, desaparecendo sobre eles assim que a cantora subiu ocupando o centro insigne.
Trajava um vestido franjeado que lhe tornava a pele ainda mais pálida pelo contraste com o tecido escuro, ornamentado o rosto de uns curtos e largos caracóis platinados, e a boca ladeada por um baton afogueado.
Soltaram-se os primeiros acordes amarrados, manteve os olhos fechados enquanto os sentia roçagarem a pele branca e depois a boca abriu-se, e das goelas desfraldou límpida a voz com pronúncia quente a português tropical. Bom demais!

Ergueu-se e senti que estendia a mão, convidando-me para dançar. Olhei primeiro a mão, depois olhos nos olhos, na tentação morna pensei fazer-me difícil, fingir que não estava ansiosa para sentir o ritmo descer-me pelo corpo e deixar que tomasse conta de mim. Acedi mas ocultei o desejo que já se instalara em definitivo, deslizei pelo soalho dominada pelo ritmo, refreada nos seus braços avassaladores, mãos grandes arrogaram-me, levando-me para longe e de novo trazendo-me para perto, tão perto que os lábios quase se tocaram. Quase!

O romano desconcertado, afastara-se em busca do seu lugar, a sua altivez sofrera uma estranha metamorfose, caminhava aturdido pelo meio das mesas redondas como uma gigante Blattaria, de orgulho ferido pela atenção que subitamente eu havia transferido para o estranho que se sentara ao meu lado.

Do barulhento italiano, já não havia sinal.
Respondi com um sorriso ao seu sorriso, agradada com tamanha ousadia. Li o seu nome em voz alta, segurando com a ponta dos dedos o cartão creme impresso a Palatino linotype com letras douradas tamanho vinte e oito, questionando qual seria a probabilidade de ficarmos sentados lado a lado, no meio de tantos convidados. A conversa fluiu prazenteira durante todo o jantar, desobrigada de constrangimentos à medida que ia desfilando a ementa à nossa frente.
Conduzia-me pelo espaço num movimento cadenciado, a minha mão sobre o seu ombro, sentindo a dele no fundo das minhas costas, firme. E tão perto, podia admirar cada pormenor do seu rosto, ver com clareza a cor dos olhos que desviava sem querer dos meus … “só tinha de ser com você”!

“É, você que é feito de azul,
Me deixa morar nesse azul,
Me deixa encontrar minha paz,
Você que é bonito demais,
Se ao menos pudesse saber
Que eu sempre fui só de você,
Você sempre foi só de mim.”


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